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De São Cristóvão ao Rio Comprido (I) Vista da Igreja N. Sra. da Vitória, em São Cristóvão. [déc. 1960]. Acervo IPHAN/SE Por Sam...

De São Cristóvão ao Rio Comprido (I)

Vista da Igreja N. Sra. da Vitória, em São Cristóvão. [déc. 1960]. Acervo IPHAN/SE


Por Samuel Albuquerque*

O estudo do cotidiano da nossa antiga açucarocracia tem me levado a caminhos estranhos à maioria dos sergipanos. Exemplo disso são as estradas percorridas pela família do Barão da Estância (1822-1904) nos idos do século XIX, quando deixavam o Engenho Escurial, onde viviam, e rumavam para o Engenho São Joaquim, propriedade do coronel José de Faro Rollemberg (1845-1889). O Escurial, na margem esquerda do Vaza-Barris, em São Cristóvão, e o São Joaquim, na margem esquerda do Sergipe, entre Divina Pastora e Maruim, distavam cerca de 10 léguas um do outro e se comunicavam, como veremos, através de artérias que ligavam importantes cidades e vilas da província.

Documentos oitocentistas, como a carta corográfica organizada pelo engenheiro João Bloem, indicam as estradas que, possivelmente, foram percorridas pelos viajantes do Escurial. O cotejo desses testemunhos com as ortofotocartas dos municípios litorâneos e com os mapas das rodovias que cortam Sergipe revelam itinerários que se assemelham àqueles descritos no texto de memórias de Aurélia Dias Rollemberg (1863-1952), filha do Barão da Estância, cunhada e hóspede frequente do coronel José de Faro. Além disso, entre os dias 4 e 7 de maio de 2013, refiz o percurso sugerido pelo controle das fontes, enfrentando os percalços de “caminhos quase esquecidos”, porém repletos de elementos que nos conectam ao passado.

O trânsito entre os engenhos Escurial e São Joaquim se intensificou a partir de 1869, ano em que Amélia Dias Dantas e Mello (1849-1888), filha primogênita do Barão da Estância, foi desposada pelo jovem viúvo José de Faro Rollemberg. Daí por diante, as duas propriedades estariam unidas por laços familiares e a comunicação entre elas seria feita, num primeiro momento, através da estrada que, desde a década de 1840, ligava as cidades de São Cristóvão e Laranjeiras.
Tomemos, então, como ponto de partida a Igreja Nossa Senhora da Vitória, na Praça da Matriz de São Cristóvão, onde, entre 1855 e 1882, pontificava o vigário José Gonçalves Barroso (1821-1882), amigo próximo e correligionário do Barão da Estância.

Rumando para norte e desviando do barrocão José Aleixo (precipício resultante de deslizamentos de terra nas encostas do Monte Una), penetrava-se a viela que seguia até a Ladeira de São Francisco (também conhecida como Ladeira do Açougue), de onde se descortinava a bela paisagem do estuário do Paramopama, com seus densos manguezais serpenteados por ribeiros e seus “alagados soberbos” tomados pelas salinas.
Por uma alameda de humildes casebres, a ladeira descia cerca de 90 braças até a várzea, região dominada pela praça e casa do mercado, onde a cidade crescia desordenada e pobre. O memorialista Serafim Santiago, em seu belo “Annuario Christovense”, descreveu a vistosa casa do mercado como sendo “uma grande quadra cercada com muro e pilastra com grade de ferro, havendo no fundo, do lado da maré, onde se faz[ia] o desembarque das mercadorias vindas das praias, um grande portão também de ferro, e um nas mesmas condições na entrada (...). Logo ao lado do fundo, um grande saguão ou barracão coberto convenientemente (...). Toda a extensão era calçada” (Santiago, 2009, p. 329).

O cotidiano daquela zona comercial, que fervilha nas tardes e noites de sexta-feira, também foi descrito por Santiago. Segundo ele, “as famílias ali compareciam nas sextas-feiras, a fim de apreciar o começo da feira e comprar frutas e beijus e ouvirem as bem executadas peças de músicas pelo Corpo de Polícia, que ali comparecia nas sextas-feiras para retreta, (...) sob a batuta no notável compositor e mestre da referida banda, o cristovense José da Anunciação Pereira Leite, ali conhecido como José Bochecha e que se orgulhava em dizer: ‘música que eu escrevo, os moleques não assobiam pelas ruas’” (Santiago, 2009, p. 329).

Ao final da rua conhecida como da Feira Velha, nas imediações da Praça do Mercado, uma sólida ponte de pedra e cal sobre o Paramopama dava acesso a duas estradas. A primeira, contígua à ponte, era mais antiga e rumava para o oeste. A segunda surgiu como uma espécie de desvio que, rumando para norte, levava a florescente Aracaju, capital da província a partir de meados da década de 1850.
Seguindo para oeste, a estrada cortava planícies e terraços fluviomarinhos. Inicialmente, passava pelas baixadas do Merem, trecho bastante movimentado pelo concorrido Porto das Salinas e emoldurado pelo outeiro do sítio Merem de Cima (hoje conhecido como Alto da Divinéia). Antes de transpor o braço principal do Paramopama (a cerca de meia légua do ponto de partida), encontrava afluentes que rumavam mansos para sul.

Caminhos de acesso a engenhos de açúcar da região, como o Gameleira, convergiam para a estrada principal, tornando-a ainda mais devassada. Ao longo do percurso, era comum aos viajantes cruzar com pescadores e marisqueiras, que usufruíam das riquezas da “mãe maré”, além de muitos carreiros, transportando suas cargas de açúcar, sal, lenha e madeira.

Pouco mais de uma légua após o seu início, quando salinas e capoeiras já haviam ficado para trás, a estrada alcançava os canaviais do Engenho Rio Comprido, cuja sede ficava na margem esquerda do curso d’água que dava nome à propriedade e que, assim como o Paramopama, desaguava no estuário do Vaza-Barris. Antes disso, os olhares dos viajantes eram atraídos pela majestosa Capela Nossa Senhora do Desterro, erguida no alto de uma colina, ao norte da sede do engenho.

O Rio Comprido, também conhecido como Desterro, era uma das unidades açucareiras mais antigas do Baixo Vaza-Barris e, já em princípios do século XIX, figurava no “Livro de Matrícula dos Engenhos da Capitania da Bahia para pagamento dos Dízimos Reais administrados pela Junta da Real Fazenda”, documento preservado na Seção Histórica do Arquivo Público do Estado da Bahia. A cópia manuscrita que possuo e que reproduz parcialmente o referido documento foi feita pelo confrade Luiz Fernando Ribeiro Soutelo na década de 1980, tomando como referência uma cópia xerográfica do original, oriunda do arquivo particular da historiadora Maria Thetis Nunes. Segundo a nota 118 do referido documento, o “Desterro” pertencia a Henrique Luis de Araújo Maciel, um dos homens mais poderosos de Sergipe no primeiro quartel do século XIX. É dele que iremos tratar adiante. (continua)
*Publicado no JORNAL DA CIDADE, Aracaju, 16 jun. 2013, caderno B, p. 7. Autor " Dedico os textos desta série a Aurélia Dias Rollemberg, flor que desabrochou no vale do Vaza-Barris em 16 de junho de 1863, há exatos 150 anos".



**Professor da UFS e presidente do IHGSE. Email: samuel@ihgse.org.br 

BIBLIOGRAFIA 
ROLLEMBERG, Aurélia Dias. [Texto de memórias]. Aracaju, [entre 1927 e 1952]. In: ALBUQUERQUE, Samuel Barros de Medeiros. Memórias de Dona Sinhá. Aracaju: Typografia Editorial, 2005. p. 49-123;
BLOEM, João. Carta corographica para a divisão das comarcas, termos e municipios da Provincia de Sergipe Del Rey. [Rio de Janeiro]: Lith. do Archivo Militar, 1844. 1 mapa; 75,4 x 57,2 cm (Biblioteca Nacional, ARC. 027, 13, 037 ex. 6 Cartografia);
BASE CARTOGRÁFICA dos Municípios Litorâneos de Sergipe. [Aracaju]: PRODETUR-NE II/Ministério do Turismo, 2004 [ortofotocartas 691-778, 684-778, 684-783, 684-788];
ATLAS DIGITAL sobre recursos hídricos de Sergipe. Versão 2012-9. Aracaju: SRH/SEMARH/Governo de Sergipe, 2012. 1 DVD (camada Infraestrutura e subcamadas Rodovia Estadual e Rodovia Federal, dentre outras);
REGISTRO DO CASAMENTO de José de Faro Rolemberg com Dona Amelia Dias Dantas e Mello. Itaporanga d’Ajuda, 1869. In: Livro de registro de casamentos – 1845/1877, número 1258. p. 130 (reverso). Arquivo da Igreja Matriz da Paróquia Nossa Senhora d’Ajuda, Itaporanga/SE;
SILVA, Clodomir de Souza. Coronel José de Faro. In: _____. Album de Sergipe, 1820-1920. São Paulo: O Estado de S. Paulo, 1920. p. 317 e 319;
GUARANÁ, Manoel Armindo Cordeiro. Dicionário bio-bibliográphico sergipano. Rio de Janeiro: Pongetti & C, 1925. p. 167-168;
SANTIAGO, Serafim. Annuario Christovense ou Cidade de São Christovão. São Cristóvão: Editora UFS, 2009. p. 74, 77-79, 108, 109, 117, 122, 129, 135, 136, 272-276, 232, 233, 317, 328, 329, 335.
TELLES, M. P. Oliveira. Sergipenses (Escriptos Diversos). Aracaju: Typografia d’O Estado de Sergipe, 1903. p. 108.
ANEXO I da Proposição de Inscrição da Praça São Francisco em São Cristóvão/SE na Lista do Patrimônio Mundial. [Aracaju]: Governo de Sergipe/Prefeitura de São Cristóvão/IPHAN, [2010].
SOUTELO, Luiz Fernando Ribeiro. Livro de Matrícula dos Engenhos da Capitania da Bahia para pagamento dos Dízimos Reais administrados pela Junta da Real Fazenda. Aracaju, 198_ (transcrição de registros produzidos entre 1807 e 1820, em documento de título similar, localizado na Seção Histórica do Arquivo Público da Bahia).
 
Fonte:Blog Cicerone de São Cristovão

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