Democracia plebiscitária é coisa de vândalos da democracia: de gente que joga pedra na Constituição, que põe fogo no estado de direito e ...
Democracia plebiscitária é coisa de vândalos da democracia: de gente que joga pedra na Constituição, que põe fogo no estado de direito e que anda mascarado para ignorar as leis
Eu
antevi aqui. Essa pantomima das ruas, fantasiada de “Primavera Árabe”,
submeteria necessariamente o processo político a uma torção à esquerda.
Até porque não existem partidos conservadores ou liberais no Brasil —
única democracia no mundo com essa anomalia. Todos logo se assanham a
entrar num concurso de “progressismo” para ver quem faz a proposta que
mais vai… onerar os cofres públicos! Depois se vê de onde tirar o
dinheiro. Eis aí. O país se vê, agora, às voltas com a questão dos
“plebiscitos” para definir a reforma política, como se o Congresso não
dispusesse dos instrumentos para mudar o que quiser. Democracia
plebiscitária é coisa de vândalos da democracia: de gente que joga pedra
na Constituição, que põe fogo no estado de direito e que anda
mascarada. Os democratas de cara limpa, que prezam a institucionalidade,
não precisam desse expediente, que se justifica em situações
excepcionalíssimas.
Não é só
isso: o poder público perde a capacidade de se planejar, cercado por uns
poucos milhares que, não obstante, se querem representantes do povo.
Vimos o que aconteceu com as tarifas de transporte Brasil afora. Nesta
terça, o governador Geraldo Alckmin suspendeu o reajuste dos pedágios. O
impacto imediato, nos dois casos, é no Tesouro. Tudo o mais constante,
em breve, o que andava bem — estradas paulistas estão entre as melhores
do mundo — corre o risco de começar a andar mal. Na cidade de São Paulo,
como planejar melhorias e alterações substanciais no sistema com a
perspectiva do congelamento de tarifas, que se estenderá, podem apostar,
a 2014, um ano eleitoral? É evidente que a prática afugenta
investimentos. “Ah, mas rejeitaram a PEC 37!!!” Besteira! Ela cairia de
qualquer modo (ver post). Nunca houve 308 deputados dispostos a
endossá-la. O Ministério Público aproveitou a janela para ganhar uma
espécie de imunidade das praças — “Ninguém toca em nós!!!”. E, como é
sabido, eu era contra a PEC 37 e defendia que fosse derrotada. No
Senado, se alguém propuser Chicabon de graça, Renan Calheiros (PMDB-AL)
aprova. Saudade de quando era do PC do B? Nada! Está cuidando da própria
reputação à custa do dinheiro público.
O pior
partiu do Planalto. A presidente Dilma Rousseff teve uma ideia estúpida e
inconstitucional: fazer uma Assembleia Constituinte específica, ad hoc,
só para elaborar a reforma política. Altaneira, não teve o bom senso de
consultar nem o vice-presidente, Michel Temer, que é professor de
direito constitucional e um dos comandantes do maior partido da base: o
PMDB. Nem seus assessores mais próximos foram avisados com antecedência —
a exceção talvez seja Aloizio Mercadante, a quem ela anda ouvindo
muito. Considerando os resultados que tem colhido o governo, não duvido
de que ele possa estar sendo ouvido demais. O ministro da Educação (?),
claro!, achou a ideia estupenda e começou a pensar datas possíveis para
uma consulta popular, um plebiscito, sobre instalar ou não a
Constituinte: 7 de Setembro (Dia da Independência), 15 de Novembro
(Proclamação da República).
É tudo
espantoso! Dilma tem uma ministra das Relações Institucionais. Tem uma
ministra-chefe da Casa Civil (a única que parece andar com os meridianos
ajustados por ali…). Mas quem faz proselitismo sobre a Constituinte é o
da Educação. Vai ver os outros não têm aquela, como posso chamar?,
prontidão crua de Mercadante… Em menos de 24 horas, ouvidos juristas e
políticos, a ideia estava sepultada — mesmo com a ajuda de Luís Roberto
Barroso (ver post). Em lugar da Constituinte exclusiva, entrou algo
menos deletério nos propósitos, mas ainda mais complicado no que
concerne à operacionalidade: plebiscitos — terá de ser no plural — sobre
temas da reforma política.
Como
assim? Quantas seriam as consultas? Que perguntas seriam feitas? Uma
questão plebiscitária requer do eleitorado um “sim” ou “não”. É assim
que funciona. Quais perguntas seriam feitas? Como elas seriam definidas?
Como é que as tecnicalidades de um problema dessa natureza seriam
transformadas num “cara ou coroa?” Como é que se perguntaria ao povo se
ele quer o Legislativo eleito por voto proporcional, distrital puro ou
distrital misto? No caso da cláusula de barreira para os partidos —
percentual mínimo para ter direito á representação no Congresso — qual
seria a indagação? É uma sandice! É um despautério! É um despropósito!
Plebiscitos,
de resto, requerem campanhas de esclarecimento e também horário
gratuito na TV para que possam se manifestar os que defendem o “sim” ou o
“não”. O custo para os cofres públicos seria escandaloso. Mesmo o
referendo, que seria a consulta feita depois de o Congresso ter chegado a
uma proposta, é de difícil execução. O povo seria consultado sobre o
pacote da nova legislação ou seria chamado a se pronunciar sobre cada
item? O país ficaria, sei lá, uns seis meses votando…
Trata-se
de uma estupidez, que só seduz os tolos que se deixam fascinar por
formas de democracia direta e os oportunistas. O custo dessa
brincadeira, para os cofres públicos, pode superar o de uma eleição. A
propósito: os que iriam à TV falar contra as propostas ou a favor delas,
no plebiscito ou no referendo, poderiam ou não contar com doações
privadas para financiar as respectivas campanhas?
A ideia é
de tal sorte esdrúxula que só pode ser diversionismo para ver se a
imprensa tira um pouco o foco das ruas e se o país fala de outra coisa.
Enquanto, no entanto, a imprensa, especialmente as TVs, estiver
fascinada com os violadores contumazes do direito alheio, ficaremos à
mercê dessa gente disposta. Nesta terça, tive de sair à noite para
tratar de um assunto de família. Às 19h50, um grupo de não mais do que
40 pessoas desfilava na pista da Paulista sentido Consolação com uma
faixa: “Hospitais padrão Fifa”. Acho bacana e coisa e tal. Mas eles
ocupavam todas as faixas da avenida, todas. HÁ TREZE HOSPITAIS NA
REGIÃO. A PM seguia à distância fazendo a segurança. Que seguissem por
uma, duas talvez. Não! A rua agora é de quem a ocupa. E a polícia está
impedida — por setores da imprensa, sim! — de garantir os direitos
constitucionais dos que precisam ir e vir. Ainda escreverei o quarto
capítulo do meu “Por que digo “não”. A rua não é uma página do Facebook.
O espaço público não pode ser privatizado pelas causas. Não é assim que
se faz democracia.
Vamos ver
como caminha a tal reforma política. A chance de a emenda sair pior do
que o soneto é gigantesca. Há propostas verdadeiramente asnais, como a
eleição de deputados em dois turnos. Cresce a pressão pelo financiamento
público de campanha, que corresponderia a mais uma tungada nos cofres
públicos, além de incentivar brutalmente o caixa dois. E isso ainda não
seria a pior parte, como vou demonstrar neste blog.
Do estupro
aos cofres púbicos, que está em curso — e Renan Calheiros promete ainda
mais “bondades” — à pressão por formas aloprados de democracia direta,
passando por espetáculos grotescos de vandalismo, ainda não vi o bem que
esse transe, inflado artificialmente, nos trouxe. Ao contrário: gente
que odeia a democracia representativa e que vive a sonhar com atalhos
está mais buliçosa do que nunca. De resto, se o financiamento púbico de
campanha for mesmo aprovado, o principal beneficiário será o PT.
Um
resultado e tanto para quem diz que obstrui os caminhos contra a
corrupção e por mais saúde e educação. É só uma rima. Não uma solução.
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