Agosto de 1942: Memórias da Guerra Submarina na Costa de Sergipe por Paula Christiny Manchete de jornal noticia os ataques. Fonte:...
Agosto de 1942: Memórias da Guerra Submarina na Costa de Sergipe
por Paula Christiny
Manchete de jornal noticia os ataques. Fonte: terra.com.br. |
A Segunda Guerra Mundial, muito mais que um conflito europeu, foi um
conflito “global”. O intuito desse texto é mostrar experiências
vivenciadas por nordestinos durante esse conflito e também apontar
pesquisas mostram que durante os combates não se destacou apenas a
batalha naval em si, mas a forma como a população costeira respondeu aos
atentados no mar. Sucessivos afundamentos de navios brasileiros foram
registrados em águas internacionais ao longo da Segunda Guerra Mundial.
Na costa brasileira o litoral de Sergipe foi palco de investidas
nazistas entre os dias 15 e 16 de agosto de 1942.
A costa de sergipana foi lugar de lamentáveis acontecimentos da história
trágico naval brasileira e internacional, tais episódios se
transformaram em “tragédia sergipana”, Durante a Segunda Guerra Mundial,
navios foram torpedeados ao longo do litoral de Sergipe e Bahia. A
barbárie foi tanta, que comparando o número de mortos, se constata que
morreram 1.051 pessoas decorrentes de ataques a navios mercantes
brasileiros no período total da guerra (1939-1945). Entre todas as
vítimas provenientes dos ataques aos navios mercantes brasileiros, 579
vidas foram ceifadas em águas costeiras sergipanas entre os anos de 1942
e 1943, representando mais da metade de todas as mortes brasileiras no
mar. Tão grande foi peso da injuria que ela foi combustível para o
rompimento diplomático com o Eixo. Isso foi encarado como uma declaração
brasileira de guerra ao nazifascismo, seguiram-se a isso o
reconhecimento do Estado de beligerância em todo território nacional (22
de agosto de 1942) e na Declaração Brasileira de Guerra à Alemanha e à
Itália (31 de agosto de 1942).
A Repercussão dos Ataques
O que se quer mostrar é a memória coletiva do povo de Aracaju para
perceber como os impactos causados pela Segunda Guerra Mundial influíram
na vida das pessoas, como o ataque dos U-boots repercutiram no
cotidiano da cidade no período belicoso. A história dos torpedeamentos
dos navios mercantes gerou centenas de mortos, dezenas de sobreviventes
traumatizados, população costeira amedrontada e um clima de insegurança
generalizado, configurando assim, o estado de beligerância nas águas
territoriais do Brasil, e mais tarde, a declaração varguista de guerra à
Alemanha e à Itália.
Em decorrência dos ataques ocorreram na capital sergipana atos de
hostilidade e intimidação contra imigrantes estrangeiros e descendentes;
dificuldades de exportação e importação; escassez de uma série de
produtos; crise no abastecimento dos combustíveis; o aumento do custo de
vida, entre outras ações tomadas pelas autoridades públicas visando
controlar a vida da população. Tudo isso em virtude do constante receio
dos ataques ou até de submarinistas, depois que navios brasileiros
começaram a ser afundados no Oceano Atlântico por submarinos alemães e
italianos.
A campanha submarina do Eixo no Atlântico Sul, trazida pela Segunda
Guerra, passou a ter um valor significativo para os brasileiros a partir
de 1942 com as implicações causadas às investidas dos U-boots, que
causaram enormes perdas navais brasileiras.
O U-507
O maior expoente dessa situação foi a presença do submarino alemão
U-507, cuja ação na costa de Sergipe levou o Brasil à guerra devido a
sua grande efetividade e foi relatada aqui no blog.
O U-boot criou na população, a partir do dia 15 de agosto de1942, um
medo coletivo da costa do Brasil, quando o U-507, capitaneado pelo
alemão Harro Schacht torpedeou, em Sergipe, sequencialmente as seguintes
embarcações: Baependi, Araraquara e Aníbal Benévolo. Os êxitos do U-507
que causaram a morte de centenas de brasileiros ganharam notoriedade na
Alemanha nazista. Já na vida cotidiana da capital se Sergipe o U-boot
esteve nas conversas de bar, nos jornais, nas rádios, em cada um dos
lares da cidade.
O conjunto dos navios soçobrados pelo submarino alemão U-507, entre o
litoral de Sergipe e da Bahia, representou um dos momentos mais
dramáticos vividos pelos brasileiro, a população ainda se imaginava
neutra e distante do conflito global, mas com o torpedeamento, esse
pensamento mudara, haviam sinais de que a guerra tinha chegado ao país.
Os inimigos estavam infiltrados e precisavam ser combatidos por um lado,
por outro, o Brasil também se tornava inimigo dos alemães e italianos.
Além da história política e militar, percebe-se que essa catástrofe
ficou na memória da população por causa dos resultados das investida do
submarino. Chegam até a costa os símbolos da batalha naval:
sobreviventes desesperados, corpos deteriorados, mercadorias avariadas,
destroços do barco, pertences dos passageiros e tripulantes. Era um
desdobramento do conflito que feria amigos e parentes, o que era
anteriormente distante se tornava uma realidade para a sociedade
sergipana. Os submarinistas estrangeiros se movimentaram livres pela
costa, afundando navios, como também, matando famílias inteiras ou
deixando outras incompletas. Muitos moradores não tinham dificuldades em
identificar um parente ou um conhecido que desapareceu vítima do
submarino alemão U-507.
Os ataques do submarino alemão U-507, capitaneado pelo alemão Harro
Schacht, foram registrados próximos à terra firme. Por causa disso os
sergipanos tinham que lutar contra inimigos escondidos debaixo d’água,
aos quais não tinham a menor ideia de como se defender, a qualquer
momento prestes a atacar ou a desembarcar a "máquina infernal".
Travaram-se batalhas contra o desconhecido, o estranho, o invisível.
Essa revelação macabra, alimentada por informações provenientes de
relatos jornalísticos das agências internacionais ou dos programas
radiofônicos, assustou os aracajuanos. Manchetes da imprensa sergipana
diziam: “a guerra já chegou entre nós”, “selvageria sem precedentes”;
“metralhados nossos patrícios”; “o Aníbal Benévolo foi partido ao meio”;
“Sergipe nunca em sua vida presenciou cenas tão tristes como nestes
dias”. “De luto o Brasil. Reina a consternação em todo território
sergipano”; “atentado vil e covarde contra nossa soberania”; “as
incríveis barbaridades do nazismo”; “a nefanda ação do eixismo”; “não há
mais que esperar, Brasil!”.
Jornal do Brasil - Rio de Janeiro - 19.08.1942.
Fonte: http://www.u-507.com.br/
|
As notícias não demoram a chegar ao cais do porto de Aracaju trazidas
por pescadores. As informações dos sucessivos naufrágios causara
profunda consternação entre os aracajuanos a ver o submarino como uma
ameaça real às suas vidas. Os U-boots simbolizavam maior perigo às
unidades da Marinha e aos pescadores oceânicos, mas não às cidades,
povoados ou colônias de pescadores. Porém a constante chegada de
informações causava medo coletivo que evidenciava que a população
costeira não tinha um entendimento pleno sobre o alcance da navegação
submarina.
O navio depois alvejado, em poucos minutos era engolido pelo mar. Mas
para os sobreviventes e o restante da população, esse “tempo curto” se
transformou em “longo trauma”. As memórias dos náufragos foram
apropriadas pelos moradores da zona litorânea. O que ficou foi relatos
dos feridos chegando macilentos e esfarrapados vítimas da tragédia que
refletia nos olhos cheios de espanto e angústia.
Corpos chegaram ao litoral sergipano. Fonte: http://www.u-507.com.br/ |
Cadáveres que chegam às praias sergipanas, com olhos de quem morreu
cheio de espanto. O cheiro de putrefação dos cadáveres que grudava nas
roupas de quem tentava ajudar. O que se construiu naquelas mentalidades
foram imagens terríveis nas praias alimentadas pelo medo do
desconhecido, pelas histórias dramáticas dos náufragos e da gravidade
das ocorrências bélicas. A costa sergipana ganhou a fama de ser “um
lugar de submarinos”. Os marinheiros brasileiros passaram a temê-la com
razão.
Os Inimigos Entre Nós
Em meio ao caos gerado pelo perigo representado pelo submarino, os
sergipanos encontraram outros culpados em seu cotidiano: o
quinta-coluna, os camisa-verde, o boateiro e o espião. Nessa batalha
contra esses, o imaginário social criou o clima de desconfiança.
Acreditava-se que o quinta-coluna agia sorrateiro no interior da
sociedade brasileira a favor do Eixo. Após o afundamento dos navios, o
espírito de retaliação enfardou milhares de homens e mulheres do Brasil.
Era evidente a ação de células de espionagem do Eixo no Brasil, mas o
olhar de desconfiança social estava impregnado de inveja, de
intolerância, de raiva, de cobiça, de preconceito, de oportunismo, de
prazer, de retaliação e não apenas de dever patriótico, como afirmava o
DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Isso incentivou a
perseguição a grupos suspeitos e discriminar os estrangeiros taxados de
“eixistas”. A aversão dos aracajuanos se voltava principalmente sobre os
estrangeiros, destacando-se principalmente os italianos e alemães.
Cidadãos de origem estrangeira que foram presos em Sergipe acusados de
pertencer a Quinta Coluna.
Um estrangeiro, ou suspeito de “quintacolunismo” corria sérios riscos de
agressões, tanto físicas, quanto morais, podendo até mesmo temer por
suas vida. Diversos estragos também foram feitos em residências de
estrangeiros. As agressões partiam de grupos isolados ou conjuntos,
feitas na maior parte das vezes por estudantes secundaristas do colégio
Atheneu Sergipense.
Esse temor serviu para fortalecer a ditadura do Estado Novo. Nesses
tempos difíceis de ditadura varguista, a tragédia naval foi apropriada
pelo DIP a fim de promover o governo, ao explorar o fervor patriótico:
“Sergipe contribuiu para o fortalecimento da unidade nacional” ou “o
Brasil é um só”.
Os Ataques
A propaganda governista. Diário de Notícias - (22.08.42). Fonte: http://www.u-507.com.br/ |
Em cada torpedeamento, a história não se repetiu, pois o evento bélico
se revestiu de dimensões implícitas, envolveu diferentes tipos de
barcos, apresentou circunstâncias espaciais singulares e contou com
experiências individualizadas e coletivas. Entre os dias 15 e 16 de
agosto de 1942, período em que foram afundados os navios Baependi,
Araraquara e Aníbal Benévolo pelo submarino alemão U-507, foram perdidas
549 vidas. Em 1943, novamente, outros navios foram alvos da ação de
U-boats nas águas de Sergipe, ocasionando mais 30 mortes. No dia 1º de
março desse mesmo ano, na altura da foz do rio Real, foi torpedeado o
navio de bandeira norte-americana Fitz-John Porter pelo submarino alemão
U-518, havendo duas mortes. O Bagé foi o último mercante a ser
torpedeado em Sergipe. No dia 29 de julho de 1943, o navio mercante foi
afundado pelo submarino alemão U-185, perecendo 28 pessoas nesse ataque.
O Araraquara, náufragos do Baependi viram a explosão e o seu afundamento. Fonte: http://www.infonet.com.br/ |
O Baependi - 270 mortos no seu naufrágio. Fonte: http://www.infonet.com.br/ |
O Ánibal Benévolo. Fonte: http://www.infonet.com.br/ |
O que mais causou comoção aos aracajuanos foi o naufrágio do Aníbal
Benévolo que seguia em viagem oceânica rumo à cidade de Aracaju. Todos
sergipanos a bordo do vapor morreram no ataque nazista, criando um luto
coletivo e duradouro, devido ao fato de nenhum conterrâneo ter sido
localizado. Os naufrágios ocorridos na costa sergipana foram
extremamente tocantes no Estado. Centenas de corpos chegaram às praias,
junto com poucos sobreviventes. Os principais remanescentes desses
naufrágios localizados até os dias atuais foram os restos mortais
humanos que chegaram às praias sergipanas em 1942.
A população se aterrorizava com a suspeita de que os submarinistas
alemães soubessem da rota naval até o porto da cidade. Embora a ameaça
fosse invisível, alterou a rotina dos aracajuanos que se sentiam
condição de vítimas da Guerra Submarina. Segundo a imprensa local, os
inimigos do lado do Eixo poderiam estar em todos os pontos do mar
brasileiro esperando o momento de atacar pela traição, de afundar
navios, de matar brasileiros.
Enquanto as investidas dos U-boots não cessavam, os civis contribuíram
com a campanha antissubmarina. A defesa da costa de Sergipe se tornou
questão de Segurança Nacional. A Marinha do Brasil orientava para que se
montasse um Sistema de Defesa Passivo, que influenciava diretamente na
sociedade aracajuana. No âmbito militar montou-se uma vigilância
costeira, postos de observação foram montados na região litorânea que
foi reforçada com a chegada de tropas baianas e gaúchas, além dos
marines americanos que realizaram a patrulha antissubmarina. No âmbito
civil, pilotos civis auxiliavam buscas pelos náufragos. Os aracajuanos
tinham ordens estritas de não cortarem os extensos manguezais que
rodeavam o município de Aracaju para manter as barreiras naturais para
dificultar o acesso à capital sergipana, caso tropas inimigas
desembarcassem nas praias locais. Também instituiu-se o blecaute para
que a cidade de Aracaju ficasse invisível as ameaças.
Na iminência de um desembarque inimigo, temor da invasão estava presente
até nas autoridades locais, que exigiam em nome da defesa, disciplina e
rigor no cumprimento das normas de segurança. Isso gerou episódios de
extrema violência por parte da polícia. Veio também o racionamento do
querosene, a norma não surtiu efeito porque a madeira era um dos gêneros
de primeira necessidade nos lares mais humildes em Aracaju.
Porém, o ponto mais agressivo das restrições foi a proibição dos civis
de se apropriarem dos salvados, pois havia uma “cultura dos
malafogados”. A palavra malafogado, era tudo aquilo que não tinha
afogado completamente, que voltava à tona, trazendo, porém, a marca do
mal da grande tragédia marítima. O material recolhido pelos militares
foi destinado para a Capitania dos Portos ou para o 28º Batalhão dos
Caçadores.
Durante esse período Sergipe não contava com um sistema ferroviário
eficiente e com as estradas de rodagem interestaduais inexistentes. Veio
o súbito cancelamento das operações destinadas à movimentação de
mercadorias de terra para bordo ou dos saveiros para os navios a vapor,
ou das embarcações para terra. O comércio estagnou e a safra açucareira
nos trapiches ribeirinhos foi junto com ele asfixiado pelo isolamento
naval. As imposições causadas pela conjuntura e pelo quadro de penúria
que a população vivia em virtude dela motivaram trabalhadores a se unir
às manifestações políticas. Assim como os seus patrões, eles também
utilizaram os jornais para protestar perante a sociedade aracajuana.
Por fim, pode se constatar que a guerra dos U-boots impôs preocupações
militares, despertou conflitos sociais e diferentes sentimentos em
Aracaju. Mais do que afundar navios, a passagem dos submarinistas pela
costa criaram uma memória própria desse conflito mundial, pois a Guerra
Submarina foi e será sempre um misto de bravura e profunda crueldade.
REFERÊNCIAS:
CRUZ, L. A. P. & ARAS, L. M. B. A
Cidade dos Malafogados: O cotidiano de Aracaju durante a Guerra
Submarina em Sergipe (1942-1945). Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História – ANPUH. São Paulo, 2011.
____________. A guerra submarina na
costa sergipana (1942-1945). Navigator, V. 8 nº 15. Diretoria do
Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, 2012.
____________. “A guerra já chegou
entre nós!”: o cotidiano de Aracaju durante a guerra submarina
(1942/1945). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
da Bahia, 2012.
PORTO, Otávio Arruda, Arqueologia
marítima / subaquática da 2 Guerra Mundial: sua aplicabilidade no
Brasil. Dissertação (Mestrado em Arqueologia) – Universidade Federal da
Sergipe, 2013.
COMENTÁRIOS