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Inquisição em São Cristovão de Sergipe Del Rey

  No imaginário popular, falar de Inquisição refere-se a queimar na fogueira. Tal lógica não está de todo equivocada, mas não podemos reduzi...

 No imaginário popular, falar de Inquisição refere-se a queimar na fogueira. Tal lógica não está de todo equivocada, mas não podemos reduzir esse tribunal “apenas” ao fogo.

Muito do direito atual foi moldado pelos processos criados no seio da Igreja Católica Apostólica Romana com o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Códigos e normas eram seguidos para garantir o funcionamento do processo que tinha várias etapas e penas diversas, sendo a morte na fogueira a pior punição.

E no Brasil, houve Inquisição? A colônia portuguesa não teve oficialmente um tribunal instalado. Todos os casos denunciados eram enviados à Lisboa, sendo processados e julgados por lá. Na colônia havia os “familiares da inquisição”, ou seja, homens da sociedade local encarregados de receber as denúncias. No entanto, eles não podiam processar ninguém, tinham apenas que encaminhar os acusados à Portugal.

Houve três visitações do Santo Ofício às terras brasileiras: a primeira, entre 1591 e 1595, abrangeu os territórios da Bahia, Pernambuco, Itamaracá e Paraíba; a segunda, de 1618 a 1621, também ocorreu na Bahia; e a terceira, de 1763 a 1769, na província do Grão-Pará e no Maranhão.

Nessas visitações, representantes da inquisição português acolhiam denúncias diversas, e, ao verificarem que realmente se tratava de algum ato que a inquisição julgava como crime, a pessoa delatada era levada ao reino português e o processo se iniciava.

Quem era alvo da inquisição? A pessoa batizada que cometesse algum tipo de heresia, ou seja, quaisquer condutas contrárias às normas da igreja católica. Era heresia, por exemplo, praticar ritos de outras religiões como o judaísmo, o islamismo ou alguma vertente do protestantismo; renunciar ao catolicismo; desrespeitar algo sagrado para a igreja, como a hóstia.

Além disso, recriminavam-se questões da moral sexual como a homossexualidade, mais conhecida na época como sodomia e, a bestialidade, que era o ato sexual entre humanos e animais. Ainda havia o crime de “solicitação”, quando o padre usava o confessionário para fins libidinosos.

A pessoa condenada pelo Tribunal do Santo Ofício era penalizada de diversas formas, a depender dos “crimes” dos quais fora acusada. Teria de usar, por anos ou até a morte, o sambenito, que era uma espécie de túnica, também chamada de hábito penitencial; ser enviada para outro país ou uma região inóspita ou para as galés das embarcações, onde iriam trabalhar remando para movimentar as caravelas.

Pintura de Francisco de Goya que apresenta do sambenito ou saco bento (Crédito Wachtel, 2009)

Mas, sem dúvida, a penalidade mais severa imposta pela Inquisição era a execução na fogueira, inclusive com a pessoa ainda viva, caso fosse considerada uma herege impenitente, ou seja, que não se arrependeu dos atos cometidos. Caso houvesse arrependimento por parte da pessoa julgada, ela receberia uma espécie de “abrandamento” da pena, que consistia no garroteamento, ou seja, enforcamento antes de ser levada à fogueira. 

Para conhecer os métodos de interrogatório e as fases de um processo inquisitorial, indico os principais livros feitos para esse fim: Directorium Inquisitorum: Manual dos Inquisidores (1376), escrito por Nicolau Eymerich, e O martelo das feiticeiras (1484), escrito por Heinrich Kramer. Além desses manuais, cada país tinha suas regras internas de funcionamento do tribunal. No caso de Portugal, as leis do reino continham aspectos que descreviam a forma de agir da igreja no reino. Os principais códigos de leis foram: as Ordenações Afonsinas (1500 – 1514), Manuelinas (1514 – 1603) e Filipinas (1603 – 1774).

Um dos “crimes” mais combatidos pela inquisição portuguesa foram as práticas judaizantes, que geralmente eram atribuídas a pessoas ou famílias que tinham ascendência judaica. Um judeu convertido ao catolicismo era chamado de “cristão-novo”, pois, cristão-velho era o católico que não possuía a “mácula” judaica.

Os judeus haviam sido perseguidos em vários países onde o cristianismo se espalhou, como no caso do Decreto de Alhambra (1492), que expulsou os judeus do território espanhol. Portugal, inicialmente, recebeu os judeus que haviam saído da Espanha, no entanto, cederam a pressão dos reis católicos da Espanha e deram um prazo para que os judeus que não aceitassem ao catolicismo saíssem do país. Todavia, antes do prazo terminar, o rei fechou os portos e realizou o batismo forçado dos judeus.

De acordo com as leis inquisitoriais, a pessoa que fosse batizada, mesmo à força, seria denominada cristã e, com isso, estaria então obrigada a cumprir todos os preceitos católicos. Caso não o fizesse, sofreria a penalidade inquisitorial.

A Inquisição em Sergipe

O livro do professor Luiz Mott (1982), A Inquisição em Sergipe, traz à tona, casos de denúncias na época das visitações do Santo Ofício ao Brasil, incluindo denúncias por presos e que envolviam residentes da província de Sergipe Del Rey.

No meu mestrado em Ciências da Religião, realizado na Universidade Federal de Sergipe (2017), desenvolvi uma pesquisa sobre o capitão-mor de Sergipe Diogo Vaz. Ele e sua família foram processados pela Inquisição portuguesa e, as sentenças aplicadas foram diferentes entre si. Isso se deve a várias questões, como quantidade de denunciantes, e a disposição dos presos em cooperar com o tribunal e confessar suas “culpas” e demonstrar arrependimento.

Diogo Vaz Penalvo chegou à colônia em 1653 em Pernambuco, onde auxiliou as tropas portuguesas com a expulsão dos holandeses. Depois foi designado à Bahia até 1659, depois foi para Angola e, em 1666, recebeu o título de sargento-mor na capitania de Sergipe Del Rey.

No ano seguinte à sua nomeação ele foi preso pela inquisição. A sua irmã, Anna Rodrigues, que foi estava presa, assim como outros membros da família, havia dito em um dos seus relatos à mesa inquisitorial, que ela e seu irmão Diogo Vaz e outros membros da família comemoravam festas judaicas e faziam ritos, escondidos dos olhares católicos, ou seja, eram praticantes do criptojudaísmo, termo usado pelos historiadores ao se referir ao judaísmo secreto.

Durante seus interrogatórios no cárcere da inquisição em Lisboa, Diogo Vaz não confessou ter realizado práticas judaicas, mesmo quando foi submetido à tortura. Como só havia contra ele uma acusação, ele teve uma sentença “branda”, que consistia em usar hábito (túnica) penitencial e os seus bens foram confiscados.

A penalidade mais severa era a execução na fogueira com a pessoa ainda viva (Crédito: Burning at the stake. An illustration from an mid 19th century book. Por Robert Benner)

Diogo Vaz ficou preso de 08 de dezembro de 1667 a 31 de março de 1669. Mesmo confessando, dificilmente uma pessoa era liberada antes de um ano dos cárceres inquisitoriais.

De acordo com o Manual dos Inquisidores, esse período servia para que a pessoa pensasse em suas culpas e para que os inquisidores pudessem avaliar o quão estavam arrependidos. Diante das acusações, caso o réu confessasse, se arrependendo e denunciando seus cúmplices, ele seria liberado com uma pena menos severa.

Outros membros da família do sargento-mor, no entanto, não tiveram o mesmo destino que ele. Seu tio, João Rodrigues foi acusado de práticas judaicas por mais de trinta pessoas. Morreu no cárcere e seu processo continuou mesmo assim, resultando em uma condenação, póstuma, à morte em efígie. Nesse rito, como a pessoa não estava presente pois poderia já ter morrido ou fugido da prisão, um boneco era erguido e queimado, representando-a. No caso de uma pessoa falecida, seus ossos eram desenterrados e queimados também, como ocorreu com o João Rodrigues.

Com exceção de Innes Vaz, que já havia falecido, todos os irmãos de Diogo Vaz foram sentenciados pela Inquisição e também seus sobrinhos, filhos de Innes e seu cunhado, João Mexia.

João Rodrigues, Diogo Vaz Penalvo e Pedro Vaz, em seus depoimentos à inquisição, negaram que eram criptojudeus, mesmo tendo passado pela tortura. Affonso Mexia Semedo, sobrinho de Diogo Vaz, e seu cunhado, João Mexia, confessaram logo na primeira audiência as festas e os ritos judaicos realizados com a família. Eles permaneceram cerca de um ano no cárcere e foram libertados com penas menos duras.

Já Anna Rodrigues, irmã de Diogo Vaz, sofreu cerca de dois anos na prisão, negando suas “culpas”, só depois desse tempo é que, para fugir da sentença da fogueira, decidiu-se por confessar e denunciar seus parentes e amigos, sendo condenada ao degredo no Brasil.

Com a história dessa família podemos ter uma pequena demonstração de como o Tribunal do Santo Ofício da Inquisição em solo português atuava. Sua força se estendia de Portugal até a colônia e não poupava da prisão ninguém que fosse denunciado, mesmo quem estava a serviço do exército ou do governo português, como no caso de Diogo Penalvo Vaz.

O livro resultante da dissertação de mestrado de Priscilla da Silva Góes pode ser adquirido gratuitamente pelo site da Livraria da Universidade Federal de Sergipe: https://www.livraria.ufs.br/produto/a-perseguicao-inquisitorial-e-o-criptojudaismo-estudo-dos-processos-envolvendo-o-sargento-mor-diogo-vaz-e-seus-familiares-1662-1673/

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COISAS DE SÃO CRISTOVÃO: Inquisição em São Cristovão de Sergipe Del Rey
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